segunda-feira, 12 de abril de 2010

Poema da Semana



Uma lição de desenho

O meu filho coloca a sua caixa de pinturas à minha frente
E pede-me que lhe desenhe um pássaro.
Mergulho o pincel na cor cinzenta
E traço um quadrado com fechaduras e grades.

Os seus olhos enchem-se de surpresa:
«… Mas isto é uma prisão, pai,
Não sabes desenhar um pássaro?»

E eu digo-lhe: «Filho, perdoa-me.
Esqueci-me da forma dos pássaros.»

O meu filho coloca o livro de desenhos à minha frente
E pede-me que desenhe uma espiga de trigo.

Pego num lápis
E desenho uma arma.

O meu filho desdenha da minha ignorância, perguntando,
«Pai, não sabes a diferença entre uma espiga de trigo e uma arma?»

Eu digo-lhe: «Filho, uma vez usei a forma da espiga de trigo
A forma do pão
A forma da rosa.
Mas nestes tempos duros as árvores da floresta juntaram-se aos homens da milícia
E a rosa veste uniformes escuros.
Neste tempo de espigas de trigo armadas
de pássaros armados
de cultura armada
não se pode comprar pão sem encontrar uma arma no interior
não se pode colher uma rosa do campo sem que os seus espinhos nos arranhem o rosto
não se pode comprar um livro que não vá explodir entre os nossos dedos.»

O meu filho senta-se à beira da minha cama
E pede-me que recite um poema.

Uma lágrima cai dos meus olhos para a almofada.
O meu filho apanha-a, surpreendido, dizendo:
«Mas esta é uma lágrima, pai, não é um poema!»

E eu digo-lhe:
«Quando cresceres, meu filho, e aprenderes o diwan árabe,
descobrirás que palavra e lágrima são gémeas
e que o poema árabe não é mais do que uma lágrima chorada
por entre os dedos que escrevem.»

O meu filho pega nos seus pincéis, a caixa de pinturas à minha frente
E pede-me que lhe desenhe uma pátria.

O pincel treme nas minhas mãos
E eu afundo-me chorando.

Nizzar Qabbani (Poeta sírio)