segunda-feira, 1 de março de 2010

Poema da Semana



Do Ferido Pela Água

Quero descer ao poço,
quero subir aos muros de Granada,
para fitar o coração vazado
pelo buril escuro que há nas águas.

Gemia o menino ferido
com uma coroa de geada.
Tanques, cisternas, fontes
levantavam ao ar suas espadas.
Ai que fúria de amor, que feroz gume
que nocturno rumor, que morte branca!
Desertos de luz iam sumindo
os areais e areais da madrugada!
O menino estava só
com a cidade adormecida na garganta.

Um repuxo erguendo-se dos sonhos
defende-o de ser comido pelas algas.
O menino e a sua agonia, frente a frente,
eram duas verdes chuvas enlaçadas.
O menino deitava-se na terra
e a sua agonia recurvava-se.

Quero descer ao poço,
quero morrer a minha morte aos tragos,
quero encher meu coração de musgo
para ver o ferido pela água.

Federico García Lorca, Antologia Poética (Relógio d’ Água)