quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Poema da Semana



Outrora Dezembro

Inventamos Dezembro no aconchego dos mortos
revolvendo uma brasa viva de memória;
a brasa queima as raízes do passado:
belos coletes e fartos bigodes cerzidos
na galeria rutila das cinzas.

Um aroma de musgo entranha-se nas pedras,
as lápides tumulares do nosso sonho.
E assim este Dezembro vai crescendo
Em espiral de neve incandescente.

Minha avó tricotando a santidade,
meu avô flauteando estrofes de bronquite
e um brinquedo mágico desfeito
em sádica autópsia, já longe,
quando um trovão rolava entre os meus braços
as fonéticas iras do Senhor. Então orava;
juntava os pecados todos numa lágrima
e jurava.
Jurava ao pé do lume estarrecido.
Eriçado Dezembro fustigava os tectos,
uma pinha benta ardia sob os olhos
pávidos, a espuma do céu caindo aos urros
sobre a fé intimidada dos adultos.

E assim recebi o ósculo do medo
dos lúgubres vendavais. Era Dezembro,
havia manchas de sombra em cada rosto.

Cláudio Lima, Outrora Dezembro (2007)