segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

«Aqui gostamos de ler Almeida Garrett»


Postal alusivo a «Viagens na Minha Terra» de Almeida Garrett, a partir de edição fac-similada da Lithografia Nacional do Porto.
(Colecção «Homenagem a Garrett» da Biblioteca Almeida Garrett)


Neste Dia dos Namorados, data em que o amor é celebrado e em que se conheceram na nossa Biblioteca os textos vencedores do concurso «Cartas de Amor», deixamos alguns excertos da lindíssima carta que Carlos endereça a Joaninha em «Viagens na Minha Terra», obra maior de Almeida Garrett.

Não podíamos deixar passar em claro o desdobrável criado pela equipa da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, no âmbito do «Projecto de Animação Comum», justamente para celebrar o amor na obra do nosso poeta romântico. Aqui podem lê-lo e guardá-lo!


Capítulos XLIV/ XLVII

Évora Monte, … de Maio de 1834.

É a ti que escrevo, Joana, minha irmã, minha prima, a ti só. Com nenhum outro dos meus não posso nem ouso falar.

Nem eu já sei quem são os meus: confunde-se, perde-se-me esta cabeça nos desvarios do coração. Errei com ele, perdeu-me ele... Oh! bem sei que estou perdido.

Perdido para todos, e para ti também. Não me digas que não; tens generosidade para o dizer, mas não o digas. Tens generosidade para o pensar, mas não podes evitar de o sentir.

Eu estou perdido.

E sem remédio, Joana, porque a minha natureza é incorrigível. Tenho energia de mais, tenho poderes de mais no coração. Estes excessos dele me mataram... e me matam!

Tu não compreendes isto, Joaninha, não me entendes decerto; e é difícil. És mulher, e as mulheres não entendem os homens. Sempre o entrevi, hoje sei-o perfeitamente. A mulher não pode nem deve compreender o homem. Triste da que chega a sabê-lo!...

E daí... quando se tem de morrer, antes saber a morte de que se morre, do que expirar na ignorância do mal que nos matou. (…)

Ainda o conservo aquele cinto precioso, Joana; ainda o tenho, no meu tesouro mais guardado, aquela jóia, aquela relíquia. E amo-te, e amo-te a ti só como realmente nunca amei nem poderei tornar a amar. Mas aquele cinto é uma sorte, um talismã, um amuleto em que está o meu destino...

Amei... isto é, amei... pois sim, amei, já que não há outra palavra nestas estúpidas línguas que falam os homens; pois amei outras mulheres, e nos dias de maior entusiasmo por elas, não deixei nunca de beijar devotamente aquele cinto, de o apertar sobre o meu coração, de me encomendar a ele — como o salteador napolitano se encomenda ao escapulário da madona que traz ao peito, com as mãos ensanguentadas de matar, ou carregado do roubo que acaba de fazer.

Ai, Joana, não te digo eu que estou perdido, sem remédio, e que para mim não há, não pode haver salvação nunca?

Almeida Garrett, Viagens Na Minha Terra (Porto Editora)