segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

«Aqui gostamos de ler Almeida Garrett»




Postal alusivo ao escritor Almeida Garrett, a partir de edição fac-similada da Lithografia Nacional do Porto.
(Colecção «Homenagem a Garrett» da Biblioteca Almeida Garrett)


Almeida Garrett fez publicar em 1826 «Carta de Guia para Eleitores», ensaio que vem acompanhado do subtítulo «Em que se trata da opinião pública, das qualidades para deputado e do modo de as conhecer» e que se tornou um verdadeiro manual para todos aqueles que aspiram à vida política. A editora Vega reeditou este volume, com um prefácio do constitucionalista Jorge Miranda.

Transcrevemos um excerto de ensaio, onde de percebe a clarividência e o sentido de estado de um homem que, reiteremo-lo, se dedicou à literatura e à política com igual denodo, discorrendo numa e noutra com grande eloquência e modernidade.

«(…) Uma coisa muito essencial é distinguir bem o espírito de partido do espírito público. Bem difícil seria esse empenho se o espírito de partido tão loucamente se não traíra pelos próprios esforços com que se retorce para iludir com a sua fatal semelhança. Pode às vezes a inexperiência enganar-se com os caracteres que ele sabe imitar com pérfida hipocrisia, mas felizmente não se pode ele contrafazer bastante para copiar por muito tempo o seu modelo com rigorosa exacção, cedo cai nos extravios em que não podem deixar de o precipitar as paixões, seu único alimento (…).


A opinião pública a respeito de homens é o maior ou menor interesse que os cidadãos ilustrados tomam por certos indivíduos mais notáveis de entre eles.


Se este interesse nasce de um bom conceito filho de acções distintas, do saber, da virtude, da pessoa em quem recai diz-se ter a opinião pública a seu favor. Se é excitado pelo rumor das acções indignas, pelo mau desempenho de funções que exerceu, chama-se a isso ter contra si a opinião.


Porém nesta parte muito mais difícil é ainda distinguir o espírito público do espírito do partido. E contudo se pausadamente e de sangue-frio examinarmos a expressão desse espírito, não é impossível extremá-los.


Trata-se de eleições: um lembra certo homem. “Não (grita outro da companhia), nada! É um díscolo, é um malvado — ou é um exaltado, um ímpio” — “Calúnia (brada o proponente). F. é o nosso homem, é quem nos há-de salvar; se não vai às cortes, estamos perdidos. E aqui trava a disputa entre os dois, que raras vezes acaba sem o seu insulto, menor ou maior, mais ou menos rebuçado segundo a educação dos disputantes. (…).»

Almeida Garrett, Cartas de Guia para Eleitores (ed. Vega)