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Demos conta na semana passada da obra dramatúrgica (escrita para ser representada) de João Baptista da Silva Leitão de Almeida, o nosso conhecido Almeida Garrett. Esta semana lembramos uma das suas comédias mais conhecidas, a divertida «Falar Verdade a Mentir».
Trata-se de um drama de 1845, constituído por um acto apenas, onde se argumenta sobre os inconvenientes da mentira, conforme o demonstra a postura do jovem Duarte Guedes. A crítica de Garrett não incide, porém, unicamente sobre o carácter de Duarte, antes se estendendo à burguesia da época, ilustrada no comportamento pedante dos novos-ricos em oposição à firmeza de carácter dos antigos.
Deixamos um pequenino exemplo desta comédia, que aconselhamos vivamente a ler ou reler!
CENA VIII
(Ditos, JOSÉ FÉLIX de inglês, um criado)
Criado – Milord Coockimbroock!
Brás Ferreira, espantado – O quê?... pois deveras?...
Duarte, admirado – Temos outra! Esta agora ainda é melhor.
Joaquina, aparte – Bravo!... vou dizer a minha ama, e adverti-la...
CENA IX
(JOSÉ FÉLIX, DUARTE, BRÁS FERREIRA )
José Félix – Sinhórr, eu vem tómarr vóssinhórrie pôr o pequena diverrtissemente de... to exchange, querr dizerr, trrócar dois tirras de pístol entrre nós ambas amiguevolmente.
Duarte, aparte – À pistola, c'os diachos!
Brás Ferreira – Pois quê, milord! o caso de ontem?...
José Félix – Essa foi muito disagrréavel! E ésto foi por guarrdarr todo o cólerra que me tem causade, que eu guarrdarr meu sombréro – em pórrtuguiz, meu chapello – como ele esteve ontem. (mostra o chapéu com o fundo dentro) Vê vóssinhorrie? Oh! eu vem pedirr satisfácxion in forma.
Duarte, aparte – Agora é que eu já não entendo. Estou a ver se por acaso... Não fosse eu dizer a verdade?
José Félix – Oh, yes! foi um brincadeiro muito má. Eu não impedir vóssinhorrie de atirrar com homem, se faz-lhe prazer, if you please; mas é estilo de suo capital gritar primeirra de janela: 'homem vai!' – Eu trazia meu umbella, podia ter abrrido, como faz quando dizem: 'aguo vai!' – que é sempre um grrande peto em Lisbon, este de dizer: 'aguo vai!' – Oh, yes! não é aguo, vóssinhorrie... (sorrindo.)
Duarte, aparte – Irra! Chegou-me a mostarda ao nariz, com o tal engraçado tolo que apostou de mangar comigo: hei-de saber quem ele é. (alto) Pois, senhor, uma vez que veio para se bater, havemo-nos bater, e já.
Brás Ferreira – Essa é que é a moderação que tu me dizias?...
CENA X
(Ditos e AMÁLIA)
Amália, acudindo – Oh meu Deus! que é isto?
José Félix, baixo a Amália – Separe-nos, ande... (alto) Eu não bato a mim.
Duarte – Mas mim bate a ti. Agora o veremos.
Brás Ferreira – E eu mando-te que te cales. Que tal está! Ai que eu!... (aparte) E eu que cuidava ao princípio que era uma brincadeira!... e o jogo é a valer. (a José Félix) O senhor é o ofendido...
Duarte – Não senhor, o ofendido sou eu.
Brás Ferreira – Tu! tu que o ias matando, aleijando pelo menos!
Duarte – Não é verdade.
José Félix – É verrdade.
Brás Ferreira – É verdade sim senhor: a culpa é sua, não há que duvidar.
Duarte – Se meu tio o diz, não tenho remédio eu senão acreditá-lo.
Brás Ferreira – Ora graças a Deus! que confessou a sua culpa, e entrou na razão enfim. Da sua parte, milord, espero que desista, que se esqueça...
José Félix – Se o senhórr está muito triste, very sorry, se não tinha intenxion...
Brás Ferreira – Não tinha, não.
Duarte – Não tive.
Brás Ferreira – Então vamos! esqueça-se tudo; e em sinal de reconciliação, milord, há-de almoçar connosco.
Amália – Ainda bem! respiro.
Duarte, aparte – Verdade, verdade, não tenho muito de que me queixar. Ainda eu lhe sou obrigado ao tal maganão que embirrou a fazer-me este serviço. (alto) Oh lá! Joaquina, Isidoro! algum de vocês... É preciso mandar arranjar depressa alguma coisa...
Brás Ferreira – Para quê?
Duarte – Pois o senhor almoça connosco...
Brás Ferreira – Almoça: e então? Tu tens almoço em casa para um príncipe. Já te esqueceste?
Duarte – Ah! sim... decerto... Mas talvez um almoço de garfo... sem chá preto... sem manteiga fresca... não será do gosto de milord...
José Félix – Eu peço o seu perdão, vóssinhorrie. O meu stomago é cosmopolitana, e entende todos línguas; janta em francês, pórtuguiz... não importa; almoça com Turquia se é preciso, e ceia sobre Peru, se vóssinhorrie dá prazer.
Duarte, admirado – Temos outra! Esta agora ainda é melhor.
Joaquina, aparte – Bravo!... vou dizer a minha ama, e adverti-la...
CENA IX
(JOSÉ FÉLIX, DUARTE, BRÁS FERREIRA )
José Félix – Sinhórr, eu vem tómarr vóssinhórrie pôr o pequena diverrtissemente de... to exchange, querr dizerr, trrócar dois tirras de pístol entrre nós ambas amiguevolmente.
Duarte, aparte – À pistola, c'os diachos!
Brás Ferreira – Pois quê, milord! o caso de ontem?...
José Félix – Essa foi muito disagrréavel! E ésto foi por guarrdarr todo o cólerra que me tem causade, que eu guarrdarr meu sombréro – em pórrtuguiz, meu chapello – como ele esteve ontem. (mostra o chapéu com o fundo dentro) Vê vóssinhorrie? Oh! eu vem pedirr satisfácxion in forma.
Duarte, aparte – Agora é que eu já não entendo. Estou a ver se por acaso... Não fosse eu dizer a verdade?
José Félix – Oh, yes! foi um brincadeiro muito má. Eu não impedir vóssinhorrie de atirrar com homem, se faz-lhe prazer, if you please; mas é estilo de suo capital gritar primeirra de janela: 'homem vai!' – Eu trazia meu umbella, podia ter abrrido, como faz quando dizem: 'aguo vai!' – que é sempre um grrande peto em Lisbon, este de dizer: 'aguo vai!' – Oh, yes! não é aguo, vóssinhorrie... (sorrindo.)
Duarte, aparte – Irra! Chegou-me a mostarda ao nariz, com o tal engraçado tolo que apostou de mangar comigo: hei-de saber quem ele é. (alto) Pois, senhor, uma vez que veio para se bater, havemo-nos bater, e já.
Brás Ferreira – Essa é que é a moderação que tu me dizias?...
CENA X
(Ditos e AMÁLIA)
Amália, acudindo – Oh meu Deus! que é isto?
José Félix, baixo a Amália – Separe-nos, ande... (alto) Eu não bato a mim.
Duarte – Mas mim bate a ti. Agora o veremos.
Brás Ferreira – E eu mando-te que te cales. Que tal está! Ai que eu!... (aparte) E eu que cuidava ao princípio que era uma brincadeira!... e o jogo é a valer. (a José Félix) O senhor é o ofendido...
Duarte – Não senhor, o ofendido sou eu.
Brás Ferreira – Tu! tu que o ias matando, aleijando pelo menos!
Duarte – Não é verdade.
José Félix – É verrdade.
Brás Ferreira – É verdade sim senhor: a culpa é sua, não há que duvidar.
Duarte – Se meu tio o diz, não tenho remédio eu senão acreditá-lo.
Brás Ferreira – Ora graças a Deus! que confessou a sua culpa, e entrou na razão enfim. Da sua parte, milord, espero que desista, que se esqueça...
José Félix – Se o senhórr está muito triste, very sorry, se não tinha intenxion...
Brás Ferreira – Não tinha, não.
Duarte – Não tive.
Brás Ferreira – Então vamos! esqueça-se tudo; e em sinal de reconciliação, milord, há-de almoçar connosco.
Amália – Ainda bem! respiro.
Duarte, aparte – Verdade, verdade, não tenho muito de que me queixar. Ainda eu lhe sou obrigado ao tal maganão que embirrou a fazer-me este serviço. (alto) Oh lá! Joaquina, Isidoro! algum de vocês... É preciso mandar arranjar depressa alguma coisa...
Brás Ferreira – Para quê?
Duarte – Pois o senhor almoça connosco...
Brás Ferreira – Almoça: e então? Tu tens almoço em casa para um príncipe. Já te esqueceste?
Duarte – Ah! sim... decerto... Mas talvez um almoço de garfo... sem chá preto... sem manteiga fresca... não será do gosto de milord...
José Félix – Eu peço o seu perdão, vóssinhorrie. O meu stomago é cosmopolitana, e entende todos línguas; janta em francês, pórtuguiz... não importa; almoça com Turquia se é preciso, e ceia sobre Peru, se vóssinhorrie dá prazer.
Almeida Garrett, «Falar Verdade a Mentir» (Porto Editora)