segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

«Aqui gostamos de ler Almeida Garrett»




Postal alusivo a«Frei Luís de Sousa», a partir de edição fac-similada da Lithografia Nacional do Porto.
(Colecção «Homenagem a Garrett» da Biblioteca Almeida Garrett)

Almeida Garrett deixou-nos algumas obras-primas, uma das quais o drama «Frei Luís de Sousa», drama que conheceu a luz do dia em 1843, numa primeira leitura entre amigos. A primeira representação da obra aconteceu em 1847, vindo a ser novamente representada três anos mais tarde, e em versão completa, no Teatro Nacional de D. Maria II.

«Frei Luís de Sousa» problematiza os amores de D. Madalena Vilhena, casada em primeiras núpcias com D. João de Portugal, entretanto desaparecido na famosa Batalha de Alcácer Quibir (4 de Agosto de 1578), onde morre o rei D. Sebastião. D. Madalena volta a casar, desta feita com D. Manuel Coutinho, de quem tem uma filha, Maria.

Almeida Garrett inicia o seu drama com as premonições e sonhos de D. Madalena, secundados pela ânsia sebastianista da filha. O medo do regresso de D. João perturba a família, numa época em que os fidalgos portugueses se debatem pela independência do reino. É esse regresso, destrutivo e terrível, que produz os efeitos temidos por Madalena. A família desmorona-se: Maria morre doente, D. Madalena e D. Manuel separam-se e ingressam cada qual num convento.

Deixamos, hoje, uma pequena “pitada” desta obra-prima, um dos textos mais importantes do nosso autor. Escolhemos a última cena do 2º acto, precisamente quando um romeiro misterioso chega a casa de D. Madalena e se desconfia tratar-se de D. João.

«Frei Luís de Sousa»:

ROMEIRO: — Hoje há-de ser. Há três dias que não durmo nem descanso nem poisei esta cabeça nem pararam estes pés dia nem noite, para chegar aqui hoje, para vos dar meu recado… e morrer depois… ainda que morresse depois; porque jurei faz hoje um ano… quando me libertaram; dei juramento sobre a pedra santa do Sepulcro de Cristo.

MADALENA: — Pois éreis cativo em Jerusalém?

ROMEIRO: — Era; não vos disse que vivi lá vinte anos?

MADALENA: — Sim, mas…

ROMEIRO: — Mas o juramento que dei foi que, antes de um ano cumprido, estaria diante de vós, e vos daria da parte de quem me enviou…

MADALENA (aterrada): — E quem vos mandou homem?

ROMEIRO: — Um homem foi, e um honrado homem… a quem unicamente devi a liberdade… a ninguém mais. Jurei fazer-lhe a vontade, e vim.

MADALENA: — Como se chama?

ROMEIRO: — O seu nome, nem o da sua gente, nunca o disse a ninguém no cativeiro.

MADALENA: — Mas, enfim, dizei vós…

ROMEIRO: — As suas palavras trago-as escritas no coração com as lágrimas de sangue que lhe vi chorar, que muitas vezes me caíram nestas mãos, que me correram por estas faces. Ninguém o consolava senão eu… e Deus! Vede se me esqueceriam as suas palavras! (…)

JORGE: — Romeiro, Romeiro, quem és tu?

ROMEIRO (apontando com o bordão para o retrato de D. João de Portugal): — Ninguém! (Frei Jorge cai prostrado no chão, com os braços estendidos diante da tribuna. O pano desce lentamente).