domingo, 21 de março de 2010

Hoje é o Dia Mundial da Poesia e da Árvore



Hoje, dia 21 de Março, assinala-se em todo o mundo o Dia Mundial da Poesia e da Árvore, uma data que, mais do que no calendário, está no coração de todos nós.

A nossa Biblioteca assinala-a com um conjunto de 21 poemas que pretendem lembrar a importância das árvores e o quanto elas têm inspirado os nossos poetas, ao longo dos séculos. Desejamos a todos os nossos leitores um excelente dia, em que não falte a leitura de poesia e, se possível, a plantação de uma árvore. As datas servem para isso mesmo, para sermos um bocadinho diferentes!


Nunca aquela tília foi esquecida

Nunca aquela tília foi esquecida
na história de poesia europeia.
Poetas disseram o seu nome
decerto depois de a olharem longamente.
Fora da janela, a tília está
entre a vida e morte.
Ao primeiro olhar, parece exangue.
Depois, quando a olho com mágoa,
vejo mínimos rebentos, aqui e além.
O tronco jovem apoia-se numa cana,
e qualquer aragem balouça-o.
Terá ela, um dia, a grande copa aromática
que os poetas recordam e amam?

Fiama Hasse Pais Brandão


Cada árvore é um ser para ser em nós

Cada árvore é um ser para ser em nós
Para ver uma árvore não basta vê-a
a árvore é uma lenta reverência
uma presença reminiscente
uma habitação perdida
e encontrada
À sombra de uma árvore
o tempo já não é o tempo
mas a magia de um instante que começa sem fim
a árvore apazigua-nos com a sua atmosfera de folhas
e de sombras interiores
nós habitamos a árvore com a nossa respiração
com a da árvore
com a árvore nós partilhamos o mundo com os deuses

António Ramos Rosa


A um Negrilho

Na terra onde nasci há um só poeta
Os meus versos são folhas dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos,
É ele que me revela o mundo visitado.
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada.
Esse poeta és tu, mestre da inquietação Serena!
Tu, imortal avena
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!

Miguel Torga


Árvore

Porque raiz,
ventre, coração, artérias,
sopro, tronco e alma,
abrigo, agitação, nobreza.
Tudo e nada, começo frágil, firme resistência, fogo ardente,
começo e recomeço,
Pulmão de um sorriso puro,
fonte do tempo, teimosa preguiça.
Ontologia,
eu em melhor,
folha e ramos de aconchego.
Seiva.

António José Teixeira


Cortaram Uma Árvore

Cortaram uma árvore
E a terra chorou

Cortaram outra árvore
E a terra chorou

E tantas árvores mais…

E a terra chorou

Chorar tanto também cansa

Quem pode enxugar as lágrimas
Da terra cansada?

Nem as mãos de uma criança…

Matilde Rosa Araújo


Os paraísos artificiais

Na minha terra, não há terra, há ruas;
mesmo as colinas são de prédios altos
com renda muito mais alta.

Na minha terra, não há árvores nem flores.
As flores, tão escassas, dos jardins mudam ao mês,
e a Câmara tem máquinas especialíssimas para desenraizar as árvores.

Os cânticos das aves - não há cânticos,
mas só canários de 3º andar e papagaios de 5º.
E a música do vento é frio nos pardieiros.

Na minha terra, porém, não há pardieiros,
que são todos na Pérsia ou na China,
ou em países inefáveis.
A minha terra não é inefável.
A vida da minha terra é que é inefável.
Inefável é o que não pode ser dito.

Jorge de Sena


A uma cerejeira em Flor

Acordar, ser na manhã de Abril
a brancura desta cerejeira;
arder das folhas à raiz,
dar versos ou florir desta maneira.

Abrir os braços, acolher nos ramos
o vento, a luz, ou o que quer que seja;
sentir o tempo, fibra a fibra,
a tecer o coração de uma cereja.

Eugénio de Andrade


Árvores

São plátanos palmeiras castanheiros
jacarandás amendoeiras e até as
oliveiras que
quando a noite cai na infância formam uma
cortina escura na estrada frente à casa
árvores apagando os dias que a memória
avidamente esconde

no corpo do seu gémeo Penetra inutilmente
na terra essa raiz do branco plátano
adolescente
e o campo do tempo onde as palmeiras eram
pilares do corpo nu símbolo de
si mesmo, à luz
do dia fixo, já se estende

na húmida manhã dos castanheiros
Esquecimento que tudo enfim possuis
e geras
a ofuscante luz igual à da
memória, do tempo como ela
filho, construtor da ausência,
em vão te invoco Tu

que mudas a roxa amendoeira
em brancas flores do jacarandá
entrega a minha vida às árvores
que foram na manhã e no crepúsculo
no meio-dia e na noite, palavra
clara que traz o dia em si fechado

Gastão Cruz


As Árvores e os Livros

As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.

E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.

As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».

É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.

Jorge Sousa Braga


Os Gemidos da Árvore

A Árvore, em pé, no meio das planuras,
cheia de riso e flor, verduras, passarinhos,
- Ela é o guarda-sol dos frutos e dos ninhos.
- É o tecto nupcial das conversadas puras.
O humilde cavador que foiça as ervas duras
dos broncos matagais e escalrachos maninhos,
sob ela faz o seu leito, ao cruzar os caminhos,
torrado da soalheira ou nas sombras escuras.

Contudo, o Homem ingrato esquece a Árvore amiga
e prefere a Cidade e a balbúrdia inimiga,
onde a alma corrompe em orgias triviais.
Mas a Árvore lá fica, a espreitar nas ramadas
como a mãe lacrimosa, a olhar sempre as estradas
- a ver se o filho volta à cabana dos pais!

Gomes Leal


Poema das Árvores

As árvores crescem sós. E a sós florescem.

Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.

Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.

Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.

E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.

Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.

As árvores, não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.

Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
A crescer e a florir sem consciência.

Virtude vegetal viver a sós
E entretanto dar flores.

António Gedeão


elogio da árvore

relampeja por vezes uma árvore onde
nada se suporia aceso, onde nem a
lamínula de uma erva pudesse baloiçar
onde nem as mãos de deus roçagaram a terra.
é no silêncio, nas precisas submersas raízes
que o prodígio do amor brota.
porque uma árvore acontece-nos assim
eleva-se das traves do esquecimento e aos
poucos ostenta pássaros estrídulos no volume
da manhã. uma árvore esgarça o vazio e
é bela no lugar onde singra o seu barco obsceno
e tranquilo. nem as mãos de um poeta
podem mais do que o seu luminoso escantilhão.
verdes, viris, violentamente palpam os
com os braços a polpa dos dias
e o poema incomum e o defeso olhar
do homem distante. livre, ela canta
livre morre, livre na sedenta lucidez da terra
no silêncio, nas precisas submersas raízes
onde um prodígio de amor escreveu a alma

João Ricardo Lopes


Vai lá longe, na floresta

Vai lá longe, na floresta,
Um som de sons a passar,
Como de gnomos em festa
Que não consegue durar...

É um som vago e distinto.
Parece que entre o arvoredo
Quando seu rumor é extinto
Nasce outro som em segredo.

Ilusão ou circunstância?
Nada? Quanto atesta, e o que há
Num som, é só distância
Ou o que nunca haverá.

Fernando Pessoa


Um Renque de Árvores

Um renque de árvores lá longe, lá para a encosta.
Mas o que é um renque de árvores? Há árvores apenas.
Renque e o plural árvores não são cousas, são nomes.
Tristes das almas humanas, que põem tudo em ordem,
Que traçam linhas de cousa a cousa,
Que põem letreiros com nomes nas árvores absolutamente reais,
E desenham paralelos de latitude e longitude
Sobre a própria terra inocente e mais verde e florida do que isso!

Alberto Caeiro


Árvores do Alentejo

Horas mortas... curvadas aos pés do Monte
A planície é um brasido... e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol postonte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!!

Florbela Espanca


Vegetação de Infância

Onde está a antiga nogueira cujas raízes
entravam pela água? Sei que os seus ramos se partiam
de cada vez que o ribeiro enchia; que as folhas
se espalhavam pelo tanque, antes de se afundarem,
formando um lodo em que os pés escorregavam;
que o barulho das rãs ecoava na sua copa, enquanto
a noite se agitava com o vento frio que trazia
o outono. Mas de nada me serve este conhecimento,
agora que nada me diz se a nogueira existe, ainda,
nessa margem onde me sentei, ouvindo as rãs
e o vento, sem que me apercebesse do trabalho do tempo
no fundo das raízes. Ou antes: o que ele me dá é
uma inquietação áspera como o sabor das nozes
que se colhiam dessa árvore. Atiro-as para o armazém
da memória onde as sombras se acumulam; e
entro nessa árvore, como se fosse uma casa,
ou como se as suas ramagens se abrissem
num bater de asas impotentes para o voo.»

Nuno Júdice


Árvore, cujo pomo, belo e brando

Árvore, cujo pomo, belo e brando,
natureza de leite e sangue pinta,
onde a pureza, de vergonha tinta,
está virgíneas faces imitando;

nunca da ira e do vento, que arrancando
os troncos vão, o teu injúria sinta;
nem por malícia de ar te seja extinta
a cor, que está teu fruito debuxando.

Que pois me emprestas doce e idóneo abrigo
a meu contentamento, e favoreces
com teu suave cheiro minha glória,

se não te celebrar como mereces,
cantando-te, sequer farei contigo
doce, nos casos tristes, a memória.

Luís Vaz de Camões


Praia

Os pinheiros gemem quando passa o vento
O sol bate no chão e as pedras ardem.

Longe caminham os deuses fantásticos do mar
Brancos de sal e brilhantes como peixes.

Pássaros selvagens de repente,
Atirados contra a luz como pedradas,

Sobem e morrem no céu verticalmente
E o seu corpo é tomado nos espaços.

As ondas marram quebrando contra a luz
A sua fronte ornada de colunas.

E uma antiquíssima nostalgia de ser mastro
Baloiça nos pinheiros.

Sophia de Mello Breyner Andresen


Quem planta uma floresta

Quem planta uma floresta
planta uma festa.
Planta a música e os ninhos,
faz saltar os coelhinhos.
Planta o verde vertical,
verte o verde,
vário verde vegetal.
Planta o perfume
das seivas e flores,
solta borboletas de todas as cores.
Planta abelhas, plantas pinhões
e os piqueniques das excursões.
Planta a cama mais a mesa.
Planta o calor da lareira acesa.
Planta a folha de papel, a girafa do carrossel.
Planta barcos para navegar,
e a floresta flutuar no mar.
Planta carroças para rodar,
muita floresta vai transportar.
Planta bancos da avenida,
descansa floresta de tanto corrida.
Planta um pião
na mão de uma criança:
a floresta ri, rodopia e avança.


Luísa Ducla Soares


Árvores

Camponês, que plantaste estas árvores reais
com pássaros vivos na verdura autêntica das
ramagens, sabias bem que nada valem asas
fulvas e imaginárias nas florestas do tempo.
Tu sim, que concebeste todas estas folhas,
flores e frutos toda este terra de harmonia-no
tamanho duma semente mais pequena que o cora-
ção das aves.

Carlos de Oliveira


Antes de Nós

Antes de nós nos mesmos arvoredos
Passou o vento, quando havia vento,
E as folhas não falavam
De outro modo do que hoje.

Passamos e agitamo-nos debalde.
Não fazemos mais ruído no que existe
Do que as folhas das árvores
Ou os passos do vento.

Tentemos pois com abandono assíduo
Entregar nosso esforço à Natureza
E não querer mais vida
Que a das árvores verdes.

Inutilmente parecemos grandes.
Salvo nós nada pelo mundo fora
Nos saúda a grandeza
Nem sem querer nos serve.

Se aqui, à beira-mar, o meu indício
Na areia o mar com ondas três o apaga,
Que fará na alta praia

Ricardo Reis