
Foto: Quinta das Lágrimas (Coimbra)
Era uma vez há muito tempo um Príncipe que detestava ficar retido no seu palácio. Tinha a doença do bicho-carpinteiro. E, por isso, a coisa de que mais gostava era montar o seu cavalo e ir para os montes e matas caçar. Chamava-se Pedro.
Ora acontece que este Pedro dava muitas dores de cabeça ao pai. Passava o tempo a meter-se com as raparigas e a pregar partidas aos amigos. Canseiras e trabalhos não combinavam com ele. Claro que tudo aquilo não era por mal. As pessoas até lhe achavam graça e riam-se muito quando se punha a saltar e a dançar à roda das fogueiras, e a cantar em altos berros cantigas na rua. Diziam:
— O nosso Príncipe é divertido e folgazão!
Mas o rei é que não via o divertimento com bons olhos. Era um rei com uma cara de mau que até assusta só de o lembrar. Chamava-se Afonso, e porque antes dele já tinha havido mais três reis com esse nome, havia quem lhe chamasse Afonso, o Quarto. Na verdade, todos o conheciam por “Bravo”, pois ganhara muitas batalhas e era realmente muito valente.
Pois bem, o rei não apreciava a vida do filho e punha-se muitas vezes a lamentar o assunto com a rainha:
— O nosso filho já tem idade para ganhar juízo! Não faz outra coisa senão andar por aí bailando… Está a precisar de casar!…
E foi assim que lhe arranjaram uma noiva. Parece mentira, mas é verdade. Naquela altura, e foi há muito tempo, muitos casamentos eram combinados e os noivos só se conheciam no próprio dia do casamento. Veio a noiva de longe e chamava-se Constança. Todos a acharam uma mulher elegante e bonita. Daria sem dúvida uma boa princesa para o nosso Príncipe.
E por falar nele: por onde andará agora? Ora aí o vemos, a galope… e com um javali na garupa do cavalo. Pois nem queiram saber, passa o tempo todo na caça. Até no dia da chegada da noiva. Os amigos foram-no avisar:
— Pedro, Pedro! Já sabes a novidade? A tua noiva chegou!…É uma princesa bonita!…
Quando regressou ao palácio, estava muita gente à sua espera. Afinal, a ocasião era de estalo. Acabava de chegar uma princesa. O grande salão estava repleto de fidalgos, amigos do rei e da rainha, e também um bispo e homens ricos. Só gente importante, porque a gente importante gosta de aparecer nas ocasiões importantes para se fazer notar. Pedro entrou atrasado, e quando o pai o viu fez-lhe uma cara daquelas!
Mas ele nem deu conta. Estava de boca aberta, a reparar muito na linda princesa que tinham escolhido para ser sua noiva. Era realmente muito bela. Muito mesmo. Pedro até corou. Até tossiu. Que olhos, que boca, que sorriso!
Mas para onde estava ele a olhar? A mulher do seu deslumbramento não era Constança. Era uma acompanhante dela e chamava-se Inês…
Grande desilusão! Pedro nem queria acreditar. Tal como aqueles dias de sol que de repente ficam escuros, engolidos pelas nuvens, assim o seu rosto se transformou. Os amigos lá o tentaram consolar:
— Então, Pedro! Constança também é muito bonita!
Mas ele nem queria ouvi-los:
— Deixa-me em paz! Ide-vos todos embora!
Daí para a frente só conseguia pensar nos olhos negros de Inês. E nos lábios carnudos de Inês. E no sorriso de Inês. E no cabelo de Inês. E em tudo o que fazia ou pensava, logo a imagem de Inês lhe passava à frente, como um fantasma. Estava apaixonado, completamente, por ela!
Mas teve de casar com Constança. Casou e até teve filhos dela. Aprendeu a reinar e a ser um homem de responsabilidades. Narra-se que era uma pessoa muito justa: aqueles que lhe pedissem um favor ele ajudava, mas aqueles que fizessem asneiras e cometessem crimes, castigava-os sem piedade. Com o tempo ganhou o nome de “Justiceiro”. E andando assim ocupado, o rei seu pai, começou a pensar que quando morresse já tinha quem lhe sucedesse.
Só que Pedro não tinha mudado assim tanto. Continuava a amar Inês. Amava-a acima de tudo. Amava-se às escondidas. Ninguém podia saber. Ninguém. Namoro complicado aquele! Ai, se Afonso, o velho rei, descobrisse!
Na verdade, o rei já o sabia. Tinha espiões a trabalhar para si, que lhe vinham contar todas as novidades:
— Vossa Majestade, o Príncipe encontrou-se com Inês! Vossa Majestade, o Príncipe está em Coimbra e encontra-se todos os dias com a aia de Constança!
Afonso ficava calado. Enquanto a lareira crepitava, e ele se aquecia junto dela, do fundo da sua alma, a tempestade vinha subindo devagar. Os seus conselheiros, se os mandasse chamar, lá lhe diriam outra vez:
— Vossa Majestade, este namoro tem de acabar! D. Pedro, vosso filho, um dia será rei, e se Inês ainda cá estiver há-de dar-lhe filhos que um dia reinarão no nosso País. Inês é um perigo. Mandai-a matar!
Triste coisa de se dizer. Mandar matar uma pessoa! O velho rei meditava. Por um lado, recordava o amor do filho, a sua felicidade. Mas por outro, via a vergonha de Constança e ouvia a língua do povo. Aquele namoro às escondidas era um erro! Os conselheiros tinham razão.
A Primavera foi chegando. E quando os dias se encheram de árvores muito verdes e flores e alegres rendilhados de luz, e as matas se encheram de veados, javalis, lebres e perdizes, Pedro regressou à caça. Saía muito cedo, com os seus amigos, e só voltava ao cair do sol. Inês esperava-o, às vezes ficava muito nervosa. Era como se receasse nunca mais ver o seu amado. Para se distrair, bordava e cuidava dos afazeres domésticos.
Vivia numa quinta muito bonita, ao pé do Rio Mondego. Por isso, abria as janelas e punha-se a olhar a azáfama dos pequenos pássaros em cima das árvores. Ou a ver o rio deslizar até ao infinito. Que lugar tão belo.
E foi quando contemplava distraidamente a beleza da Primavera que viu, certa manhã, entrar na quinta três homens de aspecto rude e palavras duras:
— Vimos da parte do El-Rei D. Afonso. Temos ordens para vos levarmos connosco!
— Mas que mal fiz eu? Porque me levais!
— Estais, Dona Inês, disposta a renunciar ao vosso amor pelo Príncipe D. Pedro e a acabar esta vergonha que suja o nosso País?
— Vergonha? Mas é vergonha amar uma pessoa e por ela ser amada?
E foi assim, que os três homens, com autorização do rei, mataram ali mesmo a jovem Inês de Castro, acusando-a de traição. Inês caiu e, contam, as fontes da Quinta choraram então como nunca se tinha visto. De tal maneira que a dita quinta recebeu o nome de “Quinta das Lágrimas”, pelo qual ainda hoje é conhecida. Foi um dia muito triste. E mais triste ficou quando Pedro soube da notícia.
Ao sabê-lo, enlouquecido de raiva, jurou vingar-se. Primeiro do pai, com quem andou em guerra. Depois, quando este morreu, apanhando os assassinos e mandando-os matar. Mas como não podia fazer nada para restituir a vida à sua amada Inês, chamou-lhe Rainha e deu-se o estranho caso de, pela primeira e única vez, em Portugal, uma mulher ser coroada rainha depois de morta, por vontade do Rei que nunca a pôde esquecer. E porque, ao contrário das outras histórias, Pedro e Inês, não puderam viver felizes para sempre, D. Pedro mandou construir dois belos túmulos, no Mosteiro de Alcobaça.
Lado a lado, ainda hoje os encontramos, juntos na morte, porque o amor é mais forte do que tudo e nem a morte o pode impedir quando ele é verdadeiro. Nem a morte!
Texto de João Ricardo Lopes
Texto de João Ricardo Lopes