Publicamos uma entrevista feita pela Matilde Negrões, da Turma B do 6.º Ano, aos seus avós maternos, aquando da efeméride do 25 de abril, no âmbito da disciplina de Cidadania e sob a orientação da professora Noélia Sousa. A ilustração é da autoria do Miguel Viela, da Turma A do 5.º Ano, no âmbito da disciplina de História e Geografia de Portugal do #ESTUDOEMCASA.
Ao avô Francisco Negrões
Matilde: Como era o dia-a-dia no tempo de
Salazar?
Francisco: “No dia-a-dia as pessoas iam trabalhar normalmente, mas não podiam estar, por exemplo, duas pessoas
paradas na rua a conversar. Mesmo que fosse sobre algo que não tivesse nada a
ver com o estado. Pois a PIDE achava que eles estavam a organizar uma manifestação. Por isso, como podes já ter
percebido, manifestações e greves
eram proibidas nessa altura. Caso se fizesse alguma, as pessoas que fizessem
isso seriam julgadas e presas.”
Matilde: Esse medo de falar era muito
visível?
Francisco: “Sim. Muitas vezes eu não falava tudo o que queria porque não tinha a
certeza se quem me estava a ouvir não era um informador da PIDE (bufo).”
Matilde: Foram tempos difíceis?
Francisco: “Muito. Perdi o meu pai aos 14 anos e para ajudar a minha mãe fui
trabalhar com essa idade. No entanto sabia que tinha que continuar a estudar
para ter uma vida melhor, pelo que fui estudar à noite. Para mim o mais difícil
foi ter sido obrigado a ir para a guerra colonial e deixar a minha mãe
sozinha.”
Matilde: A sério,
foste para a guerra? Onde? Quando? Conta-me como foi essa experiência.
Francisco: “Fui para Noqui (Norte de Angola) e estive lá durante 30 meses (1963-1966).
A experiência foi má porque estava imenso calor e não estava habituado. Para
chegar a Noqui fomos de camioneta e o alojamento era pré-fabricado. Do outro
lado da fronteira estavam os “terroristas” que invadiam as colónias e era
contra eles que tínhamos que combater.”
Matilde: Qual a tua opinião sobre o
Salazar?
Francisco: “Um ditador! Um dia fui ouvir um discurso dele e fiquei ainda mais convencido
disso mesmo.”
Matilde: Pertenceste à legião Portuguesa?
Francisco: “Não, porque era contra o regime salazarista.”
Matilde: Então quem
é que tu apoiavas?
Francisco: “Apoiava Humberto Delgado pelos ideais que ele representava: a democracia
e o fim da guerra colonial.”
Matilde:
O que sabias sobre a constituição de 1933?
Francisco: “Sabia-se pouco porque o regime era fechado e não existia divulgação.”
Matilde: Lias os jornais da época?
Francisco: "Nao porque os mesmos não retratavam a realidade. O regime não permitia que um jornal saísse sem ser visto pela censura, revistavam tudo e cortavam muitas palavras ou frases. Quando estes eram publicados iam com palavras riscadas e as pessoas que os liam não percebiam o que é que a frase queria dizer."
Matilde:
Foste ativo na revolução do 25 de Abril?
Francisco: “Não, porque já não era militar, mas pertencia a movimentos
anti-regime.”
Matilde: Ias a
comícios?
Francisco: “Sim. Fui ao comício no Rivoli e no Coliseu para apoiar Humberto
Delgado.”
Matilde:
Tens algumas histórias dessa época que me possas contar?
Francisco: “Num dos comícios que fui, no fim, estava a conversar com amigos e
chegaram vários guardas republicanos a cavalo que nos circundaram e tive que
fugir para dentro para não ser agredido.”
À avó Glicínia Lima
Matilde: Foram difíceis os tempos do Estado Novo?
Glicínia: “Não, porque também eu nunca me meti em nada. Se as pessoas vivessem
sem se meter em nada contra o regime nada lhes acontecia.”
Matilde:
Onde é que trabalhavas?
Glicínia: “Trabalhava para o estado nas secretarias das escolas, e não tive
dificuldade em entrar porque tinha muito boas notas e os homens, naquela
altura, tinham prioridade, mas, no meu caso, não eram os mais qualificados.”
Matilde: Como é
que eram os cuidados médicos da altura?
Glicínia: “A minha bisavó tinha nove irmãos e eu também, embora três deles
tenham morrido à nascença devido a falta de cuidados que não havia na altura.”
Matilde: Como é
que vivias?
Glicínia: “Vivia bem, vim estudar para o
Porto, o que era raro, vivendo na Trofa.”
Matilde:
Como era o ensino nessa altura? Idêntico à atualidade?
Glicínia: “O ensino era diferente do atual. Era separado entre rapazes e
raparigas. Eu frequentei a Escola Comercial e Industrial Filipa de Vilhena.
Existiam muitos cursos, os que davam saída para a universidade eram os do Liceu,
e existiam os cursos técnicos que preparavam para o mercado de trabalho. Os professores
eram uma autoridade, os alunos tinham o máximo respeito por eles, infelizmente
muito diferente do que se passa atualmente.”
Matilde: Fizeste
parte da mocidade portuguesa?
Glicínia: “Não.”
Matilde: Nunca sentiste a censura?
Glicínia: “Sim, de alguma forma, a informação era escassa sobre o que se
passava nos outros países porque o regime controlava a informação.”
Matilde: Qual foi para ti a maior virtude e o maior defeito de
António Oliveira Salazar?
Glicínia: “Para mim, Salazar era uma pessoa
honesta e que conseguiu equilibrar as contas do país. O grande defeito foi ter
restringido a liberdade.”
Matilde: Concordavas com a ida dos militares para a guerra colonial?
Glicínia: “Na altura as colónias eram
consideradas território Português e os militares iam defender o que era nosso.
Na minha opinião deveria ter existido um acordo com as colónias por forma
a evitar a guerra.”
Matilde: O que era a PIDE?
Glicínia: “Era a Polícia que defendia o Estado através de escutas e prisões.”
Matilde: Achas que
hoje, em Democracia, se vive melhor do que na altura da Ditadura do Estado Novo?
Glicínia: “Sim, claro! Hoje as
pessoas têm o mais importante: a LIBERDADE.”