quarta-feira, 27 de maio de 2020



Publicamos uma entrevista feita pela Matilde Negrões, da Turma B do 6.º Ano, aos seus avós maternos, aquando da efeméride do 25 de abril, no âmbito da disciplina de Cidadania e sob a orientação da professora Noélia Sousa. A ilustração é da autoria do Miguel Viela, da Turma A do 5.º Ano, no âmbito da disciplina de História e Geografia de Portugal do #ESTUDOEMCASA.


Ao avô Francisco Negrões


Matilde: Como era o dia-a-dia no tempo de Salazar?
Francisco: “No dia-a-dia as pessoas iam trabalhar normalmente, mas não podiam estar, por exemplo, duas pessoas paradas na rua a conversar. Mesmo que fosse sobre algo que não tivesse nada a ver com o estado. Pois a PIDE achava que eles estavam a organizar uma manifestação. Por isso, como podes já ter percebido, manifestações e greves eram proibidas nessa altura. Caso se fizesse alguma, as pessoas que fizessem isso seriam julgadas e presas.

Matilde: Esse medo de falar era muito visível?
Francisco: “Sim. Muitas vezes eu não falava tudo o que queria porque não tinha a certeza se quem me estava a ouvir não era um informador da PIDE (bufo).”

Matilde: Foram tempos difíceis?
Francisco: “Muito. Perdi o meu pai aos 14 anos e para ajudar a minha mãe fui trabalhar com essa idade. No entanto sabia que tinha que continuar a estudar para ter uma vida melhor, pelo que fui estudar à noite. Para mim o mais difícil foi ter sido obrigado a ir para a guerra colonial e deixar a minha mãe sozinha.”

Matilde: A sério, foste para a guerra? Onde? Quando? Conta-me como foi essa experiência.
Francisco: “Fui para Noqui (Norte de Angola) e estive lá durante 30 meses (1963-1966). A experiência foi má porque estava imenso calor e não estava habituado. Para chegar a Noqui fomos de camioneta e o alojamento era pré-fabricado. Do outro lado da fronteira estavam os “terroristas” que invadiam as colónias e era contra eles que tínhamos que combater.”

Matilde: Qual a tua opinião sobre o Salazar?
Francisco: “Um ditador! Um dia fui ouvir um discurso dele e fiquei ainda mais convencido disso mesmo.”

Matilde: Pertenceste à legião Portuguesa?
Francisco: “Não, porque era contra o regime salazarista.”

Matilde: Então quem é que tu apoiavas?
Francisco: “Apoiava Humberto Delgado pelos ideais que ele representava: a democracia e o fim da guerra colonial.”

Matilde: O que sabias sobre a constituição de 1933?
Francisco: “Sabia-se pouco porque o regime era fechado e não existia divulgação.”

Matilde: Lias os jornais da época?
Francisco: "Nao porque os mesmos não retratavam a realidade. O regime não permitia que um jornal saísse sem ser visto pela censura, revistavam tudo e cortavam muitas palavras ou frases. Quando estes eram publicados iam com palavras riscadas e as pessoas que os liam não percebiam o que é que a frase queria dizer."

Matilde: Foste ativo na revolução do 25 de Abril?
Francisco: “Não, porque já não era militar, mas pertencia a movimentos anti-regime.”

Matilde: Ias a comícios?
Francisco: “Sim. Fui ao comício no Rivoli e no Coliseu para apoiar Humberto Delgado.”

Matilde: Tens algumas histórias dessa época que me possas contar?
Francisco: “Num dos comícios que fui, no fim, estava a conversar com amigos e chegaram vários guardas republicanos a cavalo que nos circundaram e tive que fugir para dentro para não ser agredido.”


À avó Glicínia Lima

Matilde: Foram difíceis os tempos do Estado Novo?

Glicínia: “Não, porque também eu nunca me meti em nada. Se as pessoas vivessem sem se meter em nada contra o regime nada lhes acontecia.”

Matilde: Onde é que trabalhavas?
Glicínia: “Trabalhava para o estado nas secretarias das escolas, e não tive dificuldade em entrar porque tinha muito boas notas e os homens, naquela altura, tinham prioridade, mas, no meu caso, não eram os mais qualificados.”

Matilde: Como é que eram os cuidados médicos da altura?
Glicínia: “A minha bisavó tinha nove irmãos e eu também, embora três deles tenham morrido à nascença devido a falta de cuidados que não havia na altura.”

Matilde: Como é que vivias?
Glicínia: “Vivia  bem, vim estudar para o Porto, o que era raro, vivendo na Trofa.”

Matilde: Como era o ensino nessa altura? Idêntico à atualidade?
Glicínia: “O ensino era diferente do atual. Era separado entre rapazes e raparigas. Eu frequentei a Escola Comercial e Industrial Filipa de Vilhena. Existiam muitos cursos, os que davam saída para a universidade eram os do Liceu, e existiam os cursos técnicos que preparavam para o mercado de trabalho. Os professores eram uma autoridade, os alunos tinham o máximo respeito por eles, infelizmente muito diferente do que se passa atualmente.”

Matilde: Fizeste parte da mocidade portuguesa?
Glicínia: “Não.”

Matilde: Nunca sentiste a censura?
Glicínia: “Sim, de alguma forma, a informação era escassa sobre o que se passava nos outros países porque o regime controlava a informação.”

Matilde: Qual foi para ti a maior virtude e o maior defeito de António Oliveira Salazar?
Glicínia: “Para mim, Salazar era uma pessoa honesta e que conseguiu equilibrar as contas do país. O grande defeito foi ter restringido a liberdade.”

Matilde: Concordavas com a ida dos militares para a guerra colonial?
Glicínia: “Na altura as colónias eram consideradas território Português e os militares iam defender o que era nosso. Na minha opinião deveria ter existido um acordo com  as colónias por forma a evitar a guerra.”

Matilde: O que era a PIDE?
Glicínia: “Era a Polícia que defendia o Estado através de escutas e prisões.”

Matilde: Achas que hoje, em Democracia, se vive melhor do que na altura da Ditadura do Estado Novo?
Glicínia: “Sim, claro! Hoje as pessoas têm o mais importante: a LIBERDADE.”