quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

«Aqui gostamos de ler Alves Redol»



















Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos de Alves Redol é um conto simplesmente delicioso, puro, rico de imagens e cheio de vida. A personagem principal, Constantino também conhecido por Cuco, foi inspirada na vida de um rapazinho de 12 anos, vizinho e amigo do autor que prefere a vida ao ar livre aos bancos da escola e que almeja um dia construir pelas suas próprias mãos um barco que o leve até Lisboa.


    















    
«Quer chegar a serralheiro de navios, há-de construir alguns que deitem fumo, desses que aguentam em cima com o povo inteiro do Freixial. Não conhece ofício mais bonito!... Precisa de mostrar às pessoas que merece andar com fato-macaco de duas alças. Não és serralheiro de ferro-velho, como já o Evaristo Bacalhau lhe chamou a brincar. Um navio custa mais a fazer do que uma casa e o seu barco novo há-de espantar toda a gente…
     Daí por um ano, quando fizer o exame, o pai irá levá-lo aos estaleiros, como prometeu:
     – Eh, mestre!... Precisa cá de um aprendiz?...
     Ele poderá acrescentar sem melindres para ninguém:
     – Aprendiz não é bem assim… Já fiz um barco… Já pus sozinho um barco a navegar. Vim da minha terra até aqui…
     Vive para esse grande e único sonho, nascido à vista do Tejo, quando o levaram a Lisboa pela primeira vez. Constantino sente-se investido na dignidade de guardador desse sonho. E sabe que o passará inteirinho para as suas mãos.
     Quando voltar à cidade, não dirá com espanto nos olhos:
     – Ena pai, tanta água!... Donde vem esta água toda?!...
     Conhece agora os mistérios da água e do mar. Aprendeu muitas coisas boas e sábias, e vai usá-las, pois então!
     Quando?!...
     Por enquanto é segredo. O Constantino quer fazer uma surpresa à Ti Elvira, porque a avó lhe disse um dia: cresce e aparece. E o nosso amigo Cuco sabe também que o verdadeiro tamanho de um homem se mede pela coragem e pelas obras.
     Amanhã mesmo ele vai continuar a construir o seu barco. Já o meteu no estaleiro do coração, conhece-o de cor, e o resto é fácil…»

Alves Redol, Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos (Caminho)