segunda-feira, 16 de maio de 2011

«Aqui gostamos de ler Almeida Garrett»





















Em 1821, na sua juventude, portanto, Almeida Garrett publicou este seu O Retrato de Vénus, obra multiforme, misturando poemas de amor a um interessantíssimo “Ensaio sobre a história da pintura”, texto quase desconhecido, onde o escritor tece considerações bastante pertinentes sobre as várias escolas de pintura europeias (com particular destaque para as várias italianas e para a flamenga).

Justamente deste ensaio, retiramos hoje um excerto, ilustrativo do carácter ensaístico do autor:

A escola flamenga é a de Rubens, é a de Wandick; tanto basta para o seu elogio. — Van Eick, tão conhecido pelo invento da pintura a óleo, foi o seu chefe. Quem amar a nobreza do pincel Romano, a bela arrogância do Florentino, as graças do Antigo, as gentilezas Gregas; não será decerto muito apaixonada das produções Flamengas. Os gelos do país, o temperamento frio dos habitantes são as causas necessárias, e naturais do pouco fogo que se lhes nota. Mas, em troco desta falta, que belezas lhes não achará o amador imparcial e singelo! Ninguém, senão os pintores flamengos, apresenta em seus quadros um bem-acabado, um completo, que parece superior à paciência humana; uma fidelidade original na imitação da natureza, que encanta, e admira. O seu defeito todavia é o menos-preço daquela genérica, e fundamental regra das boas artes: Imitar a bela natureza; isto é, saber extremar nela o belo do medíocre. Nisto falharão decerto, exprimindo-a muitas vezes com a cega pontualidade, e o verbo ad verbum dum finus interpres; mas este mesmo defeito (permita-se-me julgá-lo assim, conquanto vou contra o comum parecer) dá muitas vezes às pinturas flamengas encantos simples, e singelos, que em nenhumas outras se encontram.


Almeida Garrett, O Retrato de Vénus (1821)

(Com actualização linguística do original, na Biblioteca Nacional Digital)