segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

«Aqui gostamos de ler Almeida Garrett»




Postal alusivo a «O Alfageme de Santarém» de Almeida Garrett, a partir de edição fac-similada da Lithografia Nacional do Porto.
(Colecção «Homenagem a Garrett» da Biblioteca Almeida Garrett)


Em 1842, Almeida Garrett publicou «O Alfageme de Santarém», um drama histórico, baseado na crise política de 1383-83, através do qual procurou (à semelhança de outras obras, como «Frei Luís de Sousa», «Um Auto de Gil Vicente» ou «Viagens na Minha Terra») exortar os portugueses a valorizar o seu património cultural e histórico, no período conturbado que foi o da primeira metade do século XIX.

A acção desenrola-se em Santarém, e centra-se na figura de Fernão Vaz, o Alfageme (espadeiro) local, cuja fortuna pessoal conseguiu com o seu ofício, isto é, o de polir as espadas. Nele, Garrett alerta para os perigos de sujeição ao partido conservador, afecto à Rainha D. Maria II (através de um paralelismo com o drama, onde as figuras da rainha D. Leonor Teles e do Conde de Andeiro se destacam pelos mesmos motivos).

Deixamos um pequeno excerto deste drama.

Nun’Álvares (aos cavaleiros que o rodeiam)— Senhores, estai prestes que esta alvorada partimos para Lisboa.

Alfageme (com intenção.)— E porque não já, D. Nun'Álvares Pereira?

Nun’Álvares — Porque... porque... (À parte a Froilão.) – Esta madrugada parto; não vos esqueçais.

Alfageme (com intenção)— Perdereis todo este tempo daqui até amanhã?

Nun’Álvares — São as ordens do Mestre, que saia daqui ao romper da alva amanhã, para estar em Lisboa, às portas de Santo Antão, a... (Pegando na carta como quem se afirma e lendo.) – Eis aqui o que me diz o Mestre: «O honrado povo de Lisboa abraçou a nossa causa...»

Alfageme — Porque o Mestre de Avis tomou a dele. E enquanto o Mestre nos for fiel...

Nun’Álvares — Pois quem é o Mestre de Avis, homem? De quem é a liberdade que ele defende, senão do povo?

Alfageme — Todos juram pela liberdade do povo quando precisam dele.

Nun’Álvares — Sois desconfiado.

Alfageme — Sou. – Não era; fizeram-me.

Nun’Álvares — Guardai para vós – ao menos por agora – essas desconfianças. A todo o tempo é tempo para ser ingrato.

Alfageme — Ingrato! Já! Cedo começa a acusação do costume.

Nun’Álvares — Homem, por Deus, o que precisamos agora todos é de confiança e união para vencermos. Se nos desunimos já, vencerá o estrangeiro.

Alfageme — Boa palavra dissestes. Venha donde vier a razão é sempre razão. (Para a sua gente.) – Viva a nossa liberdade e o infante D. João!

Serralheiros e Donzelas — Viva a nossa liberdade e o infante D. João!

Nun’Álvares — E viva o Mestre de Avis!


Almeida Garret, O Alfageme de Santarém (Porto Editora)